Pega a visão! Lendo o mundo nas entrelinhas. Se liga que o presente é coisa do passado! Um monte de histórias inspiradas em outras tantas, com dicas de Penélope Martins.
Pega a visão! Só quem vive a adolescência pode saber o tamanho da dor
A adolescência continua sendo aquela caixa que a maioria das pessoas não se arrisca a abrir.
A primeira imagem dessa metáfora é a própria caixa que na mitologia grega encontra a curiosidade de Pandora e acaba espalhando a dor e o caos. Calma! Eu não quis dizer o que você pode estar pensando.
Lembrando que é dentro da mesma caixa que a esperança está guardada como última e necessária resiliência para sobrevivermos e realizarmos a existência humana. Ufa! Expliquei?
Poucos parágrafos não conseguem dizer tudo, talvez a gente precise mesmo de anos vivendo a travessia, para compreender alguma coisinha sobre essa fase da vida em que os hormônios dizem “sim” e “não” ao mesmo tempo, enquanto a sociedade inteira, agindo numa espécie de complô, brinca com nossos piores sentimentos e despreza nossas melhores tentativas de superá-los.
Que osso!
Jogar vídeo game pode ser um bom refúgio, horas e horas sem pensar em quem sou, como sou, quando vai passar tudo isso. O equívoco é supor que aquela história do game, entre as incontáveis tentativas de escapar dos inimigos, vai deixar o jogador imune ao fungo que lateja dentro da sua própria cabeça.
Epa, calma aí que eu explico, ou posso tentar, de novo.
The Last of Us
O já clássico The Last of Us é protagonizado por uma adolescente imune ao fungo que extermina todas as pessoas ao seu redor. Óbvio que ela não sabe disso na primeira temporada e vive fugindo da morte como qualquer sobrevivente tenta fazer.
O interessante é que Ellie, a personagem, é a própria caixa de Pandora: coragem, medo, valentia, insegurança, raiva, afetividade, e lá no fundo, a última esperança para salvar o mundo. Que responsabilidade!
Mas não é difícil imaginar a adolescência como a própria representação da travessia do desenvolvimento humano, muito embora isso aconteça durante toda extensão da vida.
É na adolescência que a gente testa os limites da intimidade familiar, sai para rua sem a monitoria de adultos, busca referências próprias, e se perde pelo caminho, também.
Como só se acha quem em algum momento se perdeu, há sempre o desafio de rever a dificuldade com o prazer de vencê-la.
A adolescência nos clássicos da literatura
Isso faz lembrar uma narrativa de outras duas protagonistas de clássicos literários: Alice e Mary. A primeira é reconhecida de cara. Antes de ingressar no País das Maravilhas (Alice no País das Maravilhas foi escrito em 1865), ela precisa diminuir de tamanho.
Contudo, distraída como é (coisa comum na adolescência), Alice esquece a chave da porta em cima da mesa e não pode alcançá-la com seu novo tamanho.
Como diminuir pode se relacionar com humildade e crescer com valentia, supomos que Alice atravessará o desconhecido com essas duas virtudes lhe guiando. Por isso, ela escuta conselhos, mas também os desafia com suas dúvidas.
Mary, ao contrário, não é tão famosa quanto Alice no rolê. A protagonista ocupa destaque como a pobre menina rica e arrogante, dona de uma empáfia sem tamanho na obra O Jardim Secreto (escrito em 1911), da autora Frances Hodgson.
No entanto, Mary tem sentimentos (pasme! AVISO: contém ironia) e sua forma de ser, ainda que petulante, começa a cutucar em todos ao seu redor, a coragem de rever conceitos.
Ter coragem e saber ouvir
Na mosca! Aí está a tal última esperança da caixa de Pandora.
A convivência com a adolescência coloca todo mundo no olho do furacão: a desordem emocional convoca a pensar o que é necessário, o que é superficial, e nesse caldo, o adolescente também é o protagonista imune ao mundo em decomposição que assombra ao seu redor, assim como é aquela pessoa que precisa ser valente e humilde, ouvir conselhos e questionar, ter a coragem de explorar a intimidade do jardim secreto, mas também escolher quem poderá caminhar ao seu lado, para que o percurso não seja só espinhos de rosas que, curiosamente, se tornaram perigosas por falta da apara cuidadosa das mãos jardineiras.
Parece loucura, mas não é: vídeo game e literatura podem ajudar a gente a sair da crise existencial. É claro que a gente precisa de uma dose de simpatia para pedir ajuda aos mais vividos e experimentados, muitas das vezes.
Mas, se isso serve de consolo, testemunho desse lugar que ocupo, aos quase 50 anos: ajuda é indispensável durante toda a travessia da vida.
Coragem e histórias podem ser um bom método para alcançar o sucesso no jogo. Importante lembrar que o sucesso também é uma ilusão de ótica que se distorce à medida em que jogamos o jogo.
Talvez isso seja bom motivo para outro papo entre a gente.
Pega a visão e cai dentro!
Um conto da tradição oral, que é transformado a partir das referências de quem narra a história, traz a figura de um homem que deseja ter um objeto com uma palavra que seja capaz de responder a qualquer dificuldade ou sentimento, algo que parece impossível.
É nessa aventura que está contida a frase “isto também passará”.
Dá uma olhada na artista Andi Rubinstein retomando essa narrativa.
Se liga!
Nas prateleiras da nossa biblioteca, conheça o romance juvenil que ganhou os corações de muitos adolescentes que diziam não gostar de ler: Minha vida não é cor-de-rosa.
Vencedor do Prêmio Glória Pondé da Biblioteca Nacional, em 2019, o livro traz uma conversa que relembra o conto do anel com a sabedoria “isto também passará”, elevando o protagonismo na adolescência para superação de todo tipo de violência.
Releia, também, o clássico, Alice no País das Maravilhas, em versão bilíngue, escrito por Telma Guimarães, e filosofe com essa protagonista presente no imaginário universal.