Pega a visão! Utopia ou distopia? O que existe por trás dessas palavras?

Pega a visão! Se liga que o presente é coisa do passado! Um monte de histórias inspiradas em outras tantas, com dicas de Penélope Martins.

Pega a Visão! De onde vem a palavra utopia?

Criado pelo filósofo político humanista Thomas More, o termo utopia nunca mais desapareceu dos debates sociais. Em seu romance filosófico, More agregou duas palavras gregas para criar essa terceira, um nome capaz de expressar a concepção de um lugar ideal, o não-lugar, criticando, com isso, a organização política e social permeada por ações corruptas e injustas.

E foi por causa de suas ideias preconizadoras de justiça que o pensador acabou executado, a mando do Rei Henrique VIII — e injustamente. A principal causa do fatal desentendimento? Thomas More se opôs ao rompimento da Inglaterra com a Igreja Católica, porque o rei queria se casar e era vetado o divórcio.

Muito bem, se o direito ao divórcio nasceu desse salseiro todo, ao menos Thomas More não estava completamente certo, nem Henrique VIII era tão vilão assim. Ah, a história, sempre pregando essas peças: quem é o mocinho, afinal?

E a distopia?

Como exercício imaginativo, tente pensar no seguinte: se Thomas More protagonizasse um enredo ficcional, manipulado por um Rei, no caso Henrique VIII, seu antagonista, que controlasse tudo e todos, como cruel déspota capaz de executar até a própria esposa, poderíamos dizer que esse romance se trataria de uma distopia? More não contava com essa. O tempo passa e até o passado parece que foi inventado, tamanha potência desses roteiros monárquicos, tiranos, cheios de traição e vingança. 

A questão é que para entendermos as tramas sociais, as manipulações sedutoras nos acordos, as engenharias minuciosas para alcançar mais e mais poder, os jogos desumanos por controle econômico ilimitado, tudo que se passa na realidade, devemos ter em mente essas duas palavras: utopia, como ideia que nos aproxima da virtude da justiça; distopia, que nos alerta sobre contar a história sob o manto da tirania, corrupta e nociva, capaz, inclusive, de falsear os fatos e a verdade.

Sonho e pesadelo. Parecem irmãs de tão próximas, ao menos na grafia e na sonoridade, mas a utopia e a distopia são as duas faces opostas da mesma moeda: a narrativa humana do mundo. E toda narrativa tem em si um desejo em comum, porque somos humanos e buscamos esse reconhecimento, a justiça.

Onde a justiça entra nessa história?

Responder à questão “o que é justiça?” é das coisas mais difíceis. Embora não deveria ser. Explico. Já ouviu um dito “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é bobo, ou não conhece a arte”? Pois é, imagine você sendo vítima de quem tem o poder de decidir a parte que cabe a cada um, inclusive a sua. Injusto, não? E nessas de trocar o poder de mãos em busca de quem faça melhor uso dele, inclusive na partilha, muitas vezes o tiro sai pela culatra (outro ditado interessante, apesar de violento).

Por que responder à questão “o que é justiça” é das coisas mais difíceis? Justamente porque não podemos nos afastar da utopia de alcançar a justiça, combatendo, sistematicamente, inclusive em nós, qualquer tipo de privilégio, prerrogativas injustas no exercício dos pequenos e dos grandes poderes (seria essa a distopia).

É, More, Henrique VIII ficou bolado contigo. Não por acaso, meu velho. Sua utopia tira o sono da gente, e de quebra tem acúmulo de fake news na mais pura distopia para combater todos os dias. Tudo isso regado à execução sumária desse tempo da comunicação rápida, o não-lugar da era digital, aquilo que se chama “cancelamento” (ninguém está livre de perder a cabeça). 

Sei não, acho que Thomas More iria pirar com as novidades.

Cai dentro!

Por falar em tirania, separamos duas dicas de clássicos para colocar seu pescocinho de molho, mas não na guilhotina, no sofá, com uma boa iluminação sobre as páginas dos livraços: 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. 

Ambos narram histórias sobre personagens que vivem em uma sociedade que nega o conhecimento, manipula informações, combate a ciência e impõe um pensamento limitante, inclusive no vocabulário, como regra absoluta para toda a população. Qualquer semelhança com a realidade, é só dizer que viu no zap…

Quer mais?

Para além da leitura, muitas distopias viraram filmes. É o caso de Fahrenheit 451 e também de O Senhor das Moscas, que conta a história de um grupo de garotos perdidos em uma ilha, depois de um acidente de avião. Organizados em grupos, os meninos passam a exercer sua gestão de controle do lugar a partir de regras próprias que questionam seus valores morais e a virtude da justiça. Vale reforçar que o livro O Senhor das Moscas rendeu Nobel ao autor, William Golding.

Pega a visão e se liga! 

Nas prateleiras da nossa biblioteca, conheça O Rei de Amaurotum, de Flávia Côrtes, uma narrativa sensível que se passa no âmbito familiar e convida a pensar as relações afetivas, questionando uma ideia de singularidade no desafio do convívio.

Nas profundezas da imaginação de um protagonista introspectivo, a solidão se transforma em epifania, e os movimentos que fluem desses “mergulhos” do menino conduzem sua mãe, uma mulher que luta pela compreensão, apesar de muitas vezes estar imersa nas angústias da vida “real”, para a percepção de si mesma diante desse outro ser, por vezes tão enigmático. Ah, o título lindo foi inspirado na obra de Thomas More.

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