Neste mês de novembro, o Livríssimo entrevista César Obeid, poeta, palestrante e autor de livros infantis e juvenis que descobriu sua vocação à literatura infantojuvenil ao estudar dramaturgia e criar roteiros para o teatro.
Pela Editora do Brasil, ele é o responsável por títulos memoráveis, incluindo “Cordelendas – Histórias indígenas em cordel”, “Almanaque sustentável dos contos de fadas”, “Suave aroma dos campos de lavanda”, entre outros que você pode conhecer clicando aqui.
Confira o que ele falou para a gente!
Livríssimo entrevista
Livríssimo: A literatura de cordel é uma inspiração e uma forma poética muito presente em sua obra. Como você, paulista, conheceu o cordel? Quais são suas inspirações (cordelistas, xilogravuristas, histórias) ao criar as suas próprias rimas?
César: Sim, entre os meus 45 livros, 11 deles são escritos no estilo da literatura de cordel brasileira.
Eu descobri a literatura de cordel em uma distribuidora da editora Luzeiro, localizada no centro de São Paulo. Eu gostava de ler os folhetos com personagens divertidos, como João, Grilo, Chicó e Pedro Malazartes. Minha inspiração para explorar esse universo da poesia nordestina veio dos cantadores de viola, os repentistas. Após começar a ouvi-los, fiquei fascinado e mergulhei de cabeça nesse novo mundo, explorando rimas, métricas e sonoridades tônicas.
Atualmente, para criar minhas próprias rimas, busco inspiração naquilo que leio e nas experiências que vivencio. Claro, a ficção se torna a estrada que trilho em minha escrita.
Livríssimo: É muito interessante ver como você mistura a cultura do cordel com outras culturas. Como surgiu a ideia de criar “Cordelendas”? Como foi o desenvolvimento deste projeto?
César: Apenas por curiosidade, o cordel sempre teve esse propósito. Os clássicos do cordel, como “O pavão misterioso” entre outros títulos, são recontos. Ou seja, os poetas brasileiros sempre transformaram antigos enredos em versos e até hoje fazem isso com muita maestria.
Minha busca pelas culturas nativas surgiu após meu trabalho com as culturas populares. Sempre me deparei com um preconceito indireto em relação ao cordel, que é uma manifestação que incorpora influências europeias e africanas. No entanto, o que encontramos por aí? A afirmação de que o cordel tem origem em Portugal, não é? Há uma tentativa deliberada de europeizar o cordel, sugerindo que sua origem é exclusivamente europeia. Esse preconceito nunca é explícito; ele geralmente está nas entrelinhas, como, por exemplo, apagar a informação de que nossas tradições orais nordestinas também têm influência africana.
Foi com o objetivo de aprofundar meu contato com as culturas nativas, especialmente as indígenas, que uni poemas de cordel às lendas tradicionais indígenas.
Livríssimo: Seus livros contam com muita poesia se misturando a diversos assuntos, entre eles, a alimentação em “Abecedário de aromas – Cozinhando com tempero e poesia”. Cozinhar é uma de suas paixões? De que maneira você aborda a alimentação saudável com as crianças?
César: Sim, o livro faz parte dos meus livros de poemas. Nele, busquei apresentar os temperos que não apenas dão sabor aos alimentos, mas também à vida como um todo.
Penso muito na diversidade disponível nos alimentos de origem vegetal e como essa diversidade muitas vezes não está presente na dieta dos brasileiros de maneira geral. Ao ler o livro e explorar as belíssimas ilustrações de João Caré, o jovem leitor passa a compreender melhor essa variedade.
Adoro cozinhar e comer! Gosto de cozinhar com os amigos e fico muito feliz quando as pessoas apreciam minha comida.
No entanto, a decisão por uma alimentação saudável não deve ser apenas da criança. Responsáveis e educadores devem unir esforços para que a inclusão de alimentos de origem vegetal diversificados faça parte da rotina alimentar das crianças. Este livro é uma ferramenta incrível para trazer esse tópico à tona.
Livríssimo: “Almanaque sustentável dos contos de fadas” é um livro diferente e um tanto inusitado. Como você conectou temas da sustentabilidade às famosas histórias que conhecemos? Quais outros assuntos o livro aborda para conscientizar as crianças?
César: A questão ambiental tem sido uma presença constante em muitos dos meus livros, ao longo dos anos. É um tema de grande importância, afinal, não temos outro planeta para habitar. Este é o nosso lar, e precisamos trabalhar de maneira eficaz para minimizar nosso impacto no planeta.
Reinventar os clássicos contos de fadas em um novo contexto sustentável foi uma ideia fantástica, uma vez que os personagens vivenciam as histórias com a consciência de que o mundo passou por mudanças e a preocupação ambiental é agora uma realidade.
As crianças se divertem muito com essas histórias e tenho recebido muitos elogios dos educadores. O trabalho gráfico do livro é espetacular, e as ilustrações do talentoso Evandro Marendra são verdadeiramente impressionantes. Além das histórias, o livro também traz informações sobre sustentabilidade.
Livríssimo: Além dos títulos destinados ao público infantil, você também escreve livros para adolescentes, como “Suave aroma dos campos de lavanda” e “Romeu Guarani e Julieta Capuleto”. Quais reflexões você acha importante despertar nesse público?
César: A literatura voltada para adolescentes tem sido um grande desafio com o qual venho me identificando nos últimos anos. Adoro escrever para esse público. São duas obras distintas, mas que compartilham algo em comum: personagens marcantes que se desenvolvem em tramas bem estruturadas.
Na recriação da clássica obra do bardo inglês, transformo Romeu em um jovem Guarani, um poeta improvisador da cultura hip-hop, cuja comunidade está assentada na fazenda do pai de Julieta, um grande pecuarista. Além do aspecto poético e cultural da obra, também abordo questões relacionadas às demarcações de terras indígenas no Brasil, uma realidade que precisa ser destacada.
Por outro lado, em “Suave Aroma dos Campos de Lavanda”, narro a história de Joyce, uma jovem que vê sua vida mudar radicalmente após a morte de seus pais. Além dos conflitos inerentes à sua situação, ela precisa enfrentar o bullying que sofre na escola. As duas histórias se entrelaçam e, no final, fortalecem a protagonista.
Jovens e professores têm demonstrado grande admiração e reconhecimento por esses livros.
Para concluir…
Livríssimo: Que mensagem você gostaria de deixar para os jovens de hoje?
César: Minha vida mudou quando me tornei um leitor, e isso não está relacionado apenas à alfabetização. Aos doze anos de idade, eu escolhia as minhas próprias leituras, não me limitava ao que a escola indicava. Isso me deu autonomia para enxergar a vida de um modo diferente e me empoderou para conhecer outras vidas e histórias.
Se eu pudesse dar um conselho, seria: desliguem os eletrônicos horas antes de dormirem e abram um livro. Na manhã seguinte, perceberão que o mundo continua o mesmo. Em poucos segundos, você pode se atualizar sobre todo o seu mundo virtual. No entanto, após essa leitura, sua vida não será mais a mesma, porque você terá explorado uma nova história, enxergado o mundo com outros olhos, rido e chorado com seus personagens favoritos. Isso é maravilhoso. Depois de ler algumas páginas, você se tornará uma pessoa diferente, mais ativa, com uma maior clareza mental e emocional.
Claro, quanto mais lemos, mais conhecimento adquirimos, dominamos melhor as regras gramaticais, e assim por diante. No entanto, nada disso se compara ao verdadeiro poder da leitura, que está em nos transformar e nos fazer superar preconceitos.
Confira também: Livríssimo entrevista: Rosinha