Livríssimo entrevista: Camila Tardelli

O Livríssimo entrevista Camila Tardelli, professora de língua portuguesa, contadora de histórias e escritora de  literatura juvenil. Ela é autora de Meu avô, os livros e eu ou como resistir em tempos incertos (2021) e Moiara, filha da terra (2015), ambos publicados pela Editora do Brasil. 

As obras trazem temáticas muito importantes para a sociedade brasileira: o poder da leitura, inclusive na superação de dificuldades que encontramos na vida, e a preservação da cultura indígena.

Confira o que ela falou para a gente!

Livríssimo entrevista

Livríssimo: Meu avô, os livros e eu ou como resistir em tempos incertos fala da literatura como apoio para a superação de tempos difíceis, neste caso, a pandemia de covid-19. Quais autores inspiraram você durante a construção deste livro? Como suas obras afetam o seu trabalho como escritora?

Camila: Meu avô, os livros e eu ou como resistir em tempos incertos é um livro sobre livros, portanto inúmeros autores me inspiraram durante a escrita. No entanto, acho importante destacar a obra “A arte de ler ou como resistir à adversidade”, da antropóloga francesa Michèle Petit, como uma das obras que fundamentam meu percurso como mediadora de leitura.

O livro que escrevi é também sobre mediação de leitura, sobre o papel transformador da mediação de leitura em contextos de crise ou de muitas dificuldades.

Posso ainda destacar um ou outro escritor que me inspiram todos os dias, mas com risco de deixar muitos outros de fora. A escrita e a leitura andam sempre juntas. Os escritores são sempre pessoas que se debruçaram e se debruçam sobre os livros como leitores. Sem ler eu não saberia escrever, não saberia encontrar na arte literária a possibilidade de me expressar e de me realizar.

Escolho citar os escritores Érico Veríssimo, cuja obra “O tempo e o vento” conversa comigo o tempo todo e é uma das minhas grandes inspirações, e Carolina Maria de Jesus, que li pela primeira vez há exatos sete anos, outra autora que me transformou completamente como leitora e como pessoa por sua força, lirismo e relação apaixonada com os livros.

Livríssimo: Além de escritora, você é professora, imagino que tenha sentindo o impacto das aulas online durante a pandemia. Como sua experiência a ajudou a construir este livro? Você percebia a insatisfação dos seus alunos?

Camila: Certamente, esse livro não existiria dessa forma se eu não fosse professora. Sou professora de Língua Portuguesa há 20 anos. Minha experiência de docência durante a pandemia foi fundamental para falar sobre o impacto desse período na vida dos adolescentes.

Eu leciono as três frentes: literatura, gramática e produção de texto; o que aconteceu na pandemia é que fui ampliando a leitura de livros nesse período, pois percebi que a literatura e as conversas sobre os livros foram fundamentais na vida dos alunos, um espaço de elaboração dos lutos todos que viviam, do medo, da saudade, da ausência da escola como espaço físico. 

Livríssimo: Este livro aborda outros assuntos complexos além da pandemia, poderia falar mais sobre eles?

Camila: Acredito que o livro pode possibilitar o trabalho sobre diversos temas, por exemplo, abandono, solidão, relacionamentos em geral (com os pais, irmãos, amigos, namorados), relações raciais e racismo. Cada vez que visito uma escola, surgem mais temas possíveis nas conversas com os leitores. 

Livríssimo: Moiara, filha da terra narra a história de uma menina que descobre suas origens indígenas. Como surgiu a ideia para escrever a obra? Há um quê autobiográfico?

Camila: Moiara, filha da terra foi escrito com meu amigo Thiery Maciel. Nós dois contávamos histórias Guarani em espaços culturais e recebemos uma provocação do editor Gilsandro Vieira que sugeriu que escrevêssemos uma narrativa. 

Thiery tem origens indígenas bastante próximas, podemos perceber isso por seu fenótipo. Além disso, ele tem muita familiaridade e convívio com diversas aldeias Guarani e trabalha há décadas promovendo as culturas indígenas por meio de brincadeiras, jogos e narrativas em seu trabalho de ator e contador de histórias.

Eu também tenho ancestrais indígenas, mais distantes, mas pouco consegui saber sobre eles, embora desde criança tenha curiosidade sobre meus antepassados. Convivi bastante com minha bisavó na infância, ela era neta de indígenas, mas sabia pouco sobre seus ancestrais.

Assim, a parte materna da minha família, cujas origens eram de imigrantes europeus italianos e espanhóis, conhecia com certa profundidade a origem de seus antecessores e preservava conscientemente sua cultura; e a outra, a paterna, desconhecia quase completamente seus ancestrais e não preservava (ao menos de maneira consciente) suas culturas. Isso sempre me chamou a atenção.

Depois entendi que essa diferença diz muito sobre o Brasil, sobre a violenta história do nosso país e sobre o apagamento intencional das histórias dos povos indígenas e africanos. Talvez por desconhecer a história dos meus ancestrais indígenas, logo que comecei a mergulhar no universo das narrações tradicionais orais, as histórias indígenas foram as que mais me tocaram.

Quando conheci Thiery, passamos a contar histórias juntos e algum tempo depois escrevemos esse livro. Ou seja, há, sim, claros elementos autobiográficos na narrativa, tanto meus quanto do Thiery.

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Para concluir…

Livríssimo: Qual mensagem você deseja transmitir aos jovens?

Camila: Acredito que eu transmito diversas mensagens por meio da escrita e gosto que seja assim. No entanto, poderia fazer um convite para a leitura e a escrita, para que as jovens e os jovens experimentem a literatura, tanto como leitores, quanto como autores.

Existem inúmeros estilos e gêneros literários, romances, poemas, crônicas, HQs, contos… Há diversos autores, antigos e contemporâneos. Ler é encontrar outras vozes e escrever é colocar a própria voz no mundo. Acredito que minha mensagem seja um convite para o encontro com a literatura, que é a minha grande paixão.

Confira também: Livríssimo entrevista: Leonardo Mendes Cardoso

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