Livríssimo entrevista: Júlio Emílio Braz

Livríssimo entrevista: Júlio Emílio Braz

Livríssimo entrevista: Júlio Emílio Braz

Em março, o Livríssimo entrevista Júlio Emílio Braz, autor de mais de 150 livros infantojuvenis publicados no Brasil e também em outros países. 

Suas obras discutem, com delicadeza, questões sociais e preconceito racial. Sua trajetória profissional conta com o prêmio Jabuti pelo livro “Saguairu”.

Uma curiosidade sobre o autor é que ele entrou para o universo da literatura como escritor de roteiros para histórias em quadrinhos.

Confira o que ele falou para a gente!

Livríssimo entrevista

Livríssimo: Como passou a escrever literatura infantojuvenil? Você ainda é próximo ao universo das HQs?

Júlio: Eu comecei escrevendo roteiros para histórias em quadrinhos na Editora Vecchi: estava desempregado e eles precisavam  de roteiristas. Um amigo de meu irmão trabalhava na editora e falou com ele, que me passou o recado. Eu fui lá e acabamos acertando a publicação da primeira história de um personagem, Jesuíno Boamorte, que acabaria ganhando uma série. 

Como eu sempre quis ser escritor, resolvi enlouquecer de vez e me tornar escritor profissional. No entanto, só os quadrinhos não viabilizariam meu sonho. Posteriormente escrevi bolsilivros de bang bang, com quase quarenta pseudônimos e sketches de humor para o programa “Os Trapalhões” na TV Globo. 

Descobri a literatura infantojuvenil por acaso: cansado de escrever bang bang e, passando na livraria de um conhecido em meu bairro, encontrei uma banca com vários infantis e juvenis em promoção. Acabei comprando alguns por curiosidade e me interessando.

Uma semana depois fui para São Paulo, onde um grande amigo, o desenhista Roberto Kussumoto, de tempos em tempos saía comigo para me apresentar a editoras paulistas que publicavam quadrinhos naquela época. Coincidentemente, naquele dia acabamos passando em uma editora onde o Roberto foi entregar algumas ilustrações. Fui apresentado ao editor na época, o também escritor Lino de Albergaria, que, conversa vai, conversa vem, me perguntou se eu escrevia infantojuvenis.

Como não sou do tipo de perder uma oportunidade, eu disse que sim, mas não tinha nem uma ideia. Ocorre que a viagem de ônibus de volta ao Rio de Janeiro dura seis horas e, durante este período, tive a ideia do meu livro “Saguairu”. Eu o escrevi em quatro dias, porém, nesse meio tempo, o Lino saiu daquela editora e a profissional que o substituiu não quis meu livro.

Passei os próximos dois anos tentando encontrar uma editora para meu livro e finalmente outra editora topou publicá-lo. Ele me deu meu primeiro prêmio literário, o Jabuti de Autor Revelação de 1989. Isso me animou a continuar na área de infantis e juvenis.

Hoje mantenho uma relação episódica com os quadrinhos. Para ficarmos com um exemplo, está para sair um trabalho meu em parceria com o ilustrador Rodval Matias que só foi publicado na Bélgica sob o título “Orinoco”, que fala sobre os bandeirantes paulistas.

Livríssimo: Em seu novo livro com a Editora do Brasil, “Debaixo da Via Láctea”, você cria um diálogo entre um menino pobre e Antoine de Saint-Exupéry, o autor de “O Pequeno Príncipe”. Sobre quais assuntos essas figuras tão diferentes conversam? Você se lembra do que sentiu na primeira vez que leu “O Pequeno Príncipe”? 

DEBAIXO DA VIA LÁCTEA

Júlio: “Debaixo da Via Láctea” nasceu de uma notinha quase de pé de página que li em um caderno de turismo do jornal Folha de São Paulo. Ela falava de uma queda ocorrida com Saint Exupéry e seu avião nas imediações de Pelotas, no Rio Grande do Sul.

A ideia de criar uma história que explicasse de onde Saint Exupéry havia tirado a ideia de seu famoso livro, situando-a naquele acidente de Pelotas, veio de imediato na minha cabeça, e confesso que nem sei bem porquê. Eu tenho desses rompantes imaginativos, mas me vali da história que li, ainda quando criança, para encaixar a história do mestiço hostilizado tanto pela família branca do pai quanto pela família negra da mãe em um mundo onde a intolerância e a incompreensão infelizmente ainda fazem parte do cotidiano de nossa sociedade.

O discurso filosófico de O Pequeno Príncipe se encaixa com perfeição na existência do pequeno menino negro, e eu o adaptei ao escrever a minha história.

Livríssimo:Um encontro com a liberdade” é uma história delicada sobre a luta contra a escravidão no século XIX. Como História e ficção se misturam nesta obra? Como este livro enriquece o debate sobre o combate ao racismo e à desigualdade social?

UM ENCONTRO COM A LIBERDADE

Júlio: A triste história da escravidão até os dias de hoje norteia as relações entre os principais grupos étnicos em nosso país. A propósito, quando a Lei Áurea libertou os escravos no Brasil, Joaquim Nabuco, um importante abolicionista pernambucano, disse que a escravidão durara 350 anos e que seus efeitos durariam mais 350 anos. 

“Um encontro com a liberdade” transita por essa afirmação e, mesmo se passando em 1888, busca estabelecer um debate sobre as consequências da escravidão e da libertação dos escravos em nossa sociedade até os dias de hoje, além de debater sobre os valores estabelecidos pelas leis no Brasil. Leis por si só não mudam a sociedade. O que muda a sociedade é a compreensão da função e da importância das leis, bem como do peso de palavras como “Liberdade”.

Neste aspecto, História e ficção, realidade e fantasia, criam um caldo de cultura onde podemos não apenas refletir sobre o passado – no caso, a Abolição da Escravidão –, mas igualmente em que sentido a libertação dos escravizados contribuiu para uma inserção efetiva dessa maioria populacional como cidadãos em nossa sociedade – ou, mesmo, se tal inserção realmente ocorreu ou ainda é algo a se fazer.

Leia também: Livros com protagonistas negras: entenda a importância da representatividade na literatura

Livríssimo: No livro “Corrupto!”, a família de uma personagem está envolvida em um escândalo de desvio de verba da Previdência. Que reflexões a leitura desta obra desperta nos jovens? 

CORRUPTO!

Júlio: “Corrupto!” nasceu de um comentário de um vizinho meu sobre a corrupção de um de nossos políticos. Eu vinha ouvindo aquele homem há semanas protestando em termos enérgicos contra a corrupção do país e, um certo dia, me surpreendo quando ele termina mais um de seus discursos moralizantes com um bem brasileiro “ah, eu no lugar dele…”

Em uma análise mais detalhada de como surgem as denúncias de corrupção no Brasil, comecei a questionar se meu vizinho só estava enfurecido com a corrupção do político meramente por não fazer parte dela e levar o seu quinhão.

Deste questionamento, nasceu meu interesse em debater essa coisa endêmica que é a corrupção no Brasil e a naturalidade como certos setores de nossa sociedade não apenas a aceitam, como a naturalizam em nosso cotidiano. (Poucos autores tocaram tão profundamente neste assunto quanto Lima Barreto, não por acaso, meu autor preferido).

Para concluir…

Livríssimo: Que conselho você daria à nova geração de leitores?

Júlio: Sou autor há mais de 43 anos, mas antes fui e sou um leitor desesperado, necessitado de fantasia, informação e compreensão do mundo e das coisas do mundo. Para mim ignorância nunca foi opção. Eu necessito saber, conhecer e compreender.

Ninguém prometeu que se eu lesse e estudasse bastante ficaria milionário, porém ainda nos primeiros anos como leitor (quando eu me deliciava lendo e decorando palavras difíceis na seção Enriqueça Seu Vocabulário, da revista Seleções do Readers Digest), percebi que ler me permitiria ser dono de meu próprio nariz e, melhor ainda, não me traria muitos amigos, mas me permitiria reconhecer e ter os amigos certos.

Não é pouco. Leia, garotada! Conheça você mesmo! Descubra que a felicidade é difícil, mas só se aprende a valorizá-la quando se sabe o que é a vida e se compreende a vida. Ler não é apenas necessário, é, acima de tudo, humano. 

É isso aí!

Confira também: Livríssimo entrevista: Eliane Potiguara

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