Pega a visão! Se liga que o presente é coisa do passado! Um monte de histórias inspiradas em outras tantas, com dicas de Penélope Martins.
Quando você for grande, vai querer ser pequeno?
Michel Ocelot é um animador francês mundialmente conhecido por suas produções cinematográficas, principalmente depois de Kiriku e a Feiticeira, a história de um menino que nasce minúsculo e tem como destino enfrentar uma poderosa feiticeira que secou a água da aldeia.
O conto retoma a sabedoria de povos da África subsaariana. O protagonista da história, Kiriku, conversa com sua mãe desde o ventre e caminha sozinho desde o seu nascimento. O tamanho físico do garotinho se contrapõe com sua autonomia, confiança e coragem, uma representação potente para a percepção da existência humana diante dos mistérios do universo e mesmo das agruras que permeiam nossas jornadas pela sobrevivência.
O povo acredita que Karabá, a feiticeira, comeu todos os homens da aldeia, inclusive o pai de Kiriku. Resta apenas o tio do garotinho, o último guerreiro, para combater o mal. O menino, escondido dentro de um chapéu abandonado no caminho do tio, torna o objeto falante e, por isso, cobiçado.
O que aprendemos com Kiriku?
Para muitas sociedades, usar um chapéu é garantia de prestígio e destaque. Não por acaso, o objeto, encontrado na estrada, pertence, na verdade, ao ancião da aldeia, aquele que conhece as tradições. Acontece que Kiriku, diferente dos outros, quer investigar os motivos da maldade da feiticeira para poder compreender e acabar com a crueldade. Seus questionamentos confrontam os conservadorismos que aprisionam o pensamento. O menino é mal visto por seu povo e seguirá uma longa jornada para provar seu valor.
Kiriku transita entre os segredos do passado, guardados pelos antigos, e a permanência da vida no futuro, representada pelas crianças de seu povo. Seu corpo pequenino lembra o instante, o agora, momento em que o pensamento precisa ser expandido para se concretizar em ações, ainda que as dificuldades sejam imensas e por vezes incompreensíveis.
Quando o passado e o futuro são lidos no instante, Kiriku se reanima para enfrentar os obstáculos. E vence. Vence, não por findar com todos os problemas, o que seria impossível, mas por tomar consciência da importância de manter em si a inocência e a humildade de quem reconhece no próprio conhecimento a inteligência de se manter aprendiz, de não se tornar parte da violência. Só assim que, não apenas ele, mas também cada um de nós poderemos enfrentar a solidão e o medo tão naturais na condição humana.
A sabedoria dos contos fictícios e fantásticos
Os contos que inspiram as produções de Ocelot são histórias antigas e originárias que remetem ao tempo em que a tradição oral era o meio de pactuar os valores constitutivos de uma cultura, fortalecer os saberes de um povo, investigar a verdade e garantir às novas gerações todo conhecimento acumulado ao longo dos tempos.
Para muita gente, animações e contos com crianças e seres fantásticos são apenas histórias para entreter as crianças. Não é por acaso que os livros refletem esse esvaziamento de elementos maravilhosos e de imagem à medida em que se destinam para um público jovem ou adulto. No entanto, como podemos criar coisas novas para lidar com problemas reais se nossas mentes estão obstruídas pela concretude da realidade?
A ficção e o universo simbólico presentes em contos de tradição de todas as culturas são a chave para a compreensão do incompreensível, do mistério do tempo em todas as suas camadas, as sutilezas do pensamento que se ocupa em decifrar os caminhos da verdade, do equilíbrio, da harmonia, da justiça, uma receita de felicidade.
Pega a visão! O que é ser adulto?
Talvez muita gente não tenha atentado que ser adulto, viver essa etapa da vida em que somos convocados a agir no instante, não significa desvalorizar nosso potencial criativo de infância, nem nos livre de temer a velhice que virá (como nos alerta a presença de nossos avós e mais velhos). Conhecer a precaução do passado e ousar a alegria do amanhã traz a coragem para vivermos bem o presente.
Por isso, se alguém falar para você que os contos tradicionais são histórias para criancinhas, acredite. De fato, é essa criança interior que poderá manter em você a esperança para enfrentar tudo que aparecer em seu caminho.
Por isso, eu recomendo que você assista ao filme Kiriku e a Feiticeira:
Cai dentro e se liga nas prateleiras de nossa biblioteca!
Pega a visão! E por falar em contos de tradição e no poder do amor, conheça “Contos de Amor dos Cinco Continentes”, uma obra de reconto que evoca saberes ancestrais, escrita por Rogério Andrade Barbosa e ilustrada lindamente.
