Pega a visão! Se liga que o presente é coisa do passado! Um monte de histórias inspiradas em outras tantas, com dicas de Penélope Martins.
Pega a visão! Escolhas espontâneas?
Nisso de ficar zapeando com o controle remoto na mão para desanuviar as ideias, a gente acaba descobrindo um monte de coisas.
Bom, claro que essas descobertas também dependem da intenção da nossa busca, ainda que ela seja aparentemente tomada pelo acaso. As nossas referências estão sempre latejando por dentro, as próximas escolhas são diretamente ligadas ao que já somamos de experiência. Dito isso, nossas escolhas espontâneas podem não ser tão espontâneas assim.
Histórias que acompanharam minha infância
Eu sempre fui uma criança atenta para escutar as histórias. Lembro bem. Ficava ao pé do fogão, ao lado de minha avó materna, só para ela contar coisas de sua infância, como era aquele tempo passado que eu nem tinha condições de imaginar direito.
A mesma situação se repetiu ao longo da minha vida toda. Por volta dos meus vinte anos, eu conheci uma senhora que me contou sobre a dureza de sua infância, cuidando da casa e dos irmãos, matando galinha no quintal para preparar para a família toda.
Estrangular pescoço de uma galinha, depenar, limpar, trinchar em pedaços, temperar, levar ao fogo: isso não é brincadeira de criança.
Quando minha avó me chamava para ajudar na cozinha, muitas vezes era para depenar galinhas. Eu detestava aquela situação de ver as bichinhas mortas, deitadas na travessa. Mas, com o comando de voz da avó, eu seguia o rito, tirava as penas.
Foi o que a senhora me disse sobre a infância dela, “não podia sentir pena da galinha, se não o serviço ficava ruim e minha mãe contava comigo para poder trabalhar e trazer dinheiro para casa”.
A vida é um eterno assombro
E isso acontece no mundo todo. Já assistiu ao filme “Quem quer ser um milionário?”, que triste. No enredo, as crianças pobres da Índia sofrem não só com a miséria, a falta de saneamento básico, a fome, o descaso que pode ser culpa dos pais, quando existem os pais, mas sim com a falta de ação política propositiva de governo.
Tem uma coisa que eu acho um tanto interessante de observar: as pessoas, de modo geral, acabam por permitir emoções contagiantes de solidariedade quando a dor acontece há uma distância razoável do lugar onde elas vivem.
É assim na onda frenética de dizeres sobre essa ou aquela guerra que acontece lá do outro lado do mundo, em redes sociais, por exemplo. Mas e aquela criança que se senta ao lado de sua mãe na frente de um mercadinho, pedindo ajuda aos passantes para um pacote de feijão? A solidariedade próxima dói tanto mais, que muita gente prefere tornar invisível o que é flagrante.
Nisso de globalizarmos, internetalizamos (desculpa o termo horrível que criei) as relações, o que é de perto passou a ter um papel muitas vezes tão insignificante que as pessoas acabam se perdendo delas mesmas, da própria cultura, principalmente.
Os verdadeiros super-heróis
Lembro dos dizeres do escritor Ariano Suassuna, em uma de suas aulas magnas, quando afirmava que o caminho para enfrentar a dominação é se apropriar da cultura local.
Isso não quer dizer que, ao zapear em busca de um filme ou série, eu não vá assistir às produções espanholas, norueguesas, holandesas, inglesas, indianas, argentinas. Ao contrário, eu sou do tipo que adora buscar fontes. Mas não há nada que me toque mais do que conhecer as pessoas, olhar ao meu redor, saber as histórias, os nomes, os propósitos, as desventuras e as aventuras.
Talvez, aí, bem perto de você, exista uma saga heróica de um personagem que todos os dias não é visto, porque foi invisibilizado com tantos outros.
Ah, por fim, eu gostaria de dizer que fui adepta ao vegetarianismo por dois anos, voltei a comer carne convencida por uma médica após recorrentes episódios de anemia. Gosto pouco de carne, talvez pare de comer um dia de vez.
Quanto àquela senhora que conheci por volta dos meus vinte anos, disse para mim que uma das coisas que a fez mais feliz na vida foram os frangos congelados: “não ter que matar uma galinha, foi um alívio, uma alegria”.
Cai dentro!
Você já deve ter ouvido a frase atribuída ao general Júlio César: Alea jacta est. A sorte está lançada. Vale a pena pesquisar o contexto histórico em que se deu a tal frase para pensar um pouco sobre o que entendemos se tratar de sorte. O debate contemporâneo sobre a meritocracia passa por isso.
Sorte ou azar nascer na família, no lugar, na cultura em que se nasce? Esse dado aleatório nos provoca a pensar que as probabilidades de escolhas serem a feitas com mais oportunidade de sucesso estão diretamente ligadas à forma como os governos garantem acesso à educação e cultura.
Se liga nas prateleiras da nossa biblioteca
Conheça o conto “Na estrada dos sonhos”, de Luís Pimentel, ilustrado por Patrícia Melo. Na jornada de um caminhoneiro que transporta uma carga de feijão pelas estradas do Brasil, aparece um menino preso nas unhas da miséria e aprisionador de passarinhos.
Um texto breve e profundo para lembrar a gente de olhar os arredores e ver na fragilidade humana a nossa própria condição.