Para celebrar o Dia dos Povos Indígenas (19 de abril), o Livríssimo entrevista Eliane Potiguara, autora com raízes indígenas que também produz literatura infantojuvenil.
Eliane nasceu em 1950, na cidade do Rio de Janeiro. Escritora, poetisa, contadora de histórias, professora e ativista, ela se formou em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e se especializou em Educação e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
A autora é de origem potiguara, um grupo indígena originário do nordeste brasileiro, em especial a região onde hoje é a Paraíba. Ela é a fundadora da primeira organização de mulheres indígenas do país, o Grupo Mulher-Educação Indígena (GRUMIN).
Confira o que ela falou para a gente!
Livríssimo entrevista
Livríssimo: Como foi a sua infância? Você se lembra de algum momento que tenha a ver com sua escrita hoje em dia? Por exemplo, gostava de ler, gostava de imaginar?
Eliane: Quando criança, eu era a redatora de minha avó indígena, que escrevia cartas do Rio de Janeiro para a Paraíba.
Toda minha família migrou para Pernambuco e depois para o Rio por ação colonizadora da plantação de algodão. Meu bisavô desapareceu naquela época, e todos que desapareciam, na verdade, tinham sido assassinados por não aceitar a semi-escravidão do plantio do algodão.
Minha avó e tias-avós me contavam histórias indígenas e eu viajava na imaginação, por isso já gostava de escrever desde pequena. Eu lia as cartas que as mulheres indígenas recebiam da Paraíba para poder ter notícias de lá.
Livríssimo: Como surgiu a ideia de ser escritora? Você sempre quis seguir essa carreira profissional?
Eliane: No ginásio, ganhei o prêmio da melhor redação entre mais de 300 alunos. Desde cedo comecei a escrever, mas nunca tinha pensado em ser escritora. Como tinha dificuldades para falar, sempre me comunicava com as pessoas por carta, bilhetinho. Fui falar quase com 10 anos. Passei a adolescência escrevendo e, jovem adulta, continuei.
Só em 1979 publiquei meus poemas pôster. Depois, o primeiro livro e não parei mais até hoje! Tenho 10 livros publicados e esse ano saem mais dois. Escrever é conectar-se com a própria alma que, por sua vez, se conecta com as almas coletivas.
Livríssimo: Pela Editora do Brasil, você publicou um conto no livro “Origens” e o livro “A cura da Terra”. Ambos falam de origens e ancestralidade, temas que devem ser abordados com crianças e adolescentes. Você pode falar um pouco sobre isso?
Eliane: A ancestralidade traz a conexão com os avós, bisavós e a família. A memória ancestral vivifica os tempos atuais. Para essa conexão, são importantes a memória coletiva e individual, os sonhos, a “religação” com os sonhos em tempos alternados e o reconhecimento de seu lugar na história enquanto identidade indígena.
Um povo conectado à sua ancestralidade é um povo que relembra e conhece sua história.
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Conheça obras de Eliane Potiguara
Origens
Cinco escritores, cinco histórias de família, cinco lugares de origem. Neste livro de contos, Alexandre de Castro Gomes, André Kondo, Sonia Rosa, Luis Eduardo Matta e Eliane Potiguara misturam realidade e ficção em narrativas sobre suas raízes familiares em Portugal, Japão, África, Líbano e Brasil.
Todos nós temos uma história de origem, qual é a sua?
A cura da Terra
Moína adora se aconchegar nos braços da avó para ouvir histórias. Ela quer entender o sentido de sua vida e as suas transformações. Uma história em especial aborda o sofrimento pelo qual os povos indígenas passaram, fazendo-a refletir sobre suas origens e se conectar com a sabedoria de seus ancestrais.
Uma data que vai além da celebração
A ideia desta edição do Livríssimo entrevista é mais do que celebrar. Nós queremos dar espaço a escritores indígenas e provocar a reflexão sobre a importância social e cultural dos povos originários para o país. Ouvir vozes indígenas é o passo inicial para proteger suas memórias, histórias, costumes e tradições, suas vidas e seu território. Por isso a participação de Eliane foi muito especial.
No Dia dos Povos Indígenas do ano passado, visto que Pedro Álvares Cabral chegou à costa brasileira em 22 de abril de 1500, desmistificamos o “descobrimento do Brasil”, expressão que é muito bem substituída por achamento do Brasil para respeitar os povos originários. Eles já viviam neste território, portanto, o termo descobrimento considera apenas o ponto de vista europeu e é um reflexo do apagamento histórico sofrido por povos indígenas. Vale a pena ler esse artigo também!